sexta-feira, 18 de março de 2011

Um partido abelha para Portugal em 2011

        O País que saiu à rua no passado dia 12 já percebeu o nó do problema: ele está nos partidos que existem, nos quais os cidadãos não se revêem. Corre-se porém o risco de ir longe de mais e não entender algo de essencial: que sem partidos, ou com um apenas, não pode haver sociedade democrática. Por isso, quando se ouve por aí alguns apelos apaixonados à "demissão da classe política" temos razões para nos preocuparmos: afinal, entre a pureza da paixão e a crueza do disparate há uma ténue parede de papel vegetal.

        O problema está nos partidos, mas não podemos passar sem eles. Que quer isto dizer? Simplesmente, só pode significar que é necessário criar novos partidos. "Inventem-se novos pais", titulava há uns anos um conhecido psiquiatra e terapeuta familiar uma obra sobre a emergência de uma geração que carecia de uma abordagem adequada ao seu tempo. Inventem-se novos partidos!, é a primeira tentação retórica que nos ocorre.

        E todavia, isto parece-nos excessivo, pois parece veicular a ideia de que está aqui a solução para todos os nossos males, a varinha de condão com os poderes necessários para recriar o mundo. Ora, todos sabemos -e a História esclarece-nos acerca da matéria- que a recorrência das crises e a imprevisibilidade do futuro são próprias da essência da vida e das sociedades -felizmente, acrescentamos, pois se desconhecemos as crises que ainda não vieram e ignoramos por completo como as vamos enfrentar, nisto reside, não só uma das poucas certezas sobre o assunto, como a nossa esperança de um futuro melhor, cuja construção estará -e isso é motivo de esperança- nas nossas mãos.

        Precisamos, hoje, em 2011, de um ou mais partidos novos. Mas novo, ou novos, em quê?
        Qualquer partido político visa o exercício do poder; todos os partidos reúnem pessoas para os seus fins; todos eles expressam um certo ponto de vista acerca da governação. Posto não se conhecer modo de garantir eficazmente a santidade das pessoas que fazem os partidos agir e, dessa forma, a virtude destes, como se fará um partido diferente? Que qualidades deverá este ter, para não ser como os outros?
        A resposta a esta pergunta há-de partir da compreensão dos motivos por que os partidos actuais são o problema. Em nossa opinião, tal decorre da sua natureza e do seu lugar: aquela, quer dizer o seu carácter institucional, que implica a sua continuidade independentemente das pessoas que em cada momento os integram, carácter cuja manifestação mais forte consiste na capacidade temporalmente ilimitada de apresentarem candidaturas aos sufrágios eleitorais; o seu lugar, trata-se da especial posição que os partidos ocupam na intermediação da relação entre os cidadãos e o Poder.

        Esta especial posição, associada ao carácter institucional, faz com que os partidos, que são organizações dotadas de vontade e finalidades próprias, se encontrem em vantagem no acesso aos benefícios decorrentes do Poder, ou seja, à disposição dos bens do Estado que, sendo pertença de toda a sociedade, os partidos estão em posição de gerir e manipular a seu favor, com vista à sua própria eternização nos lugares-chave, conseguida, entre outros meios, através da formulação das leis, da distribuição de empregos ou subsídios públicos, ou da outorga de contratos a pessoas e grupos que na sociedade sustentam as posições dos partidos.

        Neste modelo vigente, o Estado é uma ilha rodeada por um mar partidário, que o separa do Povo autóctone de um continente que contribui com impostos para suportar esse Estado de que os partidos se alimentam. A crueza desta situação está hoje bem à vista quando o Estado retira benefícios sociais, reduz salários e aumenta impostos.

        Ora, um partido novo -novo agora, em 2011, para responder à situação actual- deve ser um partido sem fins próprios que concorram com os interesses do País e do Estado; e que por isso não se eternize, num quadro institucional como o de hoje, em que os partidos são percepcionados -e a nosso ver, com razão- como organismos parasitas sobreviventes à custa do Estado que deveria servir os cidadãos.

        Este partido só é útil se a função social e política que nos termos da Constituição está cometida aos partidos se traduzir realmente na expressão representativa da vontade popular -a qual é, juntamente com a dignidade da pessoa humana, um dos esteios do Estado soberano chamado Portugal.
        Para isso, os candidatos deste partido à Assembleia da República -e é por aqui que tudo pode e deve começar- deverão ser escolhidos pelos eleitores num escrutínio primário, e não por órgãos do próprio partido. (Em França, aliás, há quem hoje sugira um método similar para a escolha de um candidato à presidência).

        Em seguida às eleições uma dupla exigência deve verificar-se: primeiro, que os eleitos respondam perante os eleitores (todo o País, nos termos da Constituição) e não perante o partido, como hoje sucede; e em segundo lugar, que o partido não subsista, não se institucionalize, porque assim tornar-se-ia igual aos outros, que hoje não têm soluções para o País porque, na verdade, são o nó do problema.
        Trata-se, pois, de baralhar e voltar a dar o jogo.

        O partido para responder a este desafio tem de ser como a abelha obreira que espeta o ferrão e morre a seguir. Portugal precisa, neste momento, urgentemente, de um partido assim: um partido abelha.